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  • Writer's picturePedro Prado

Políticas públicas e educação institucionalizada

Entenda o que são as políticas educacionais e a história da institucionalização da educação brasileira


Educação institucionalizada é o processo de oferta do ensino pelo Estado, geralmente de maneira que integre municípios, estados e federação. | Foto: Freepik

É impossível falar de analfabetismo sem citar o acesso à educação, correlação que ressalta a escolarização como um direito social, sendo papel do Estado garantir sua universalização. Para o cumprimento deste e muitos outros deveres estatais, surgem as políticas públicas, ações propostas, estudadas e criadas a partir de leis votadas pelos membros do Poder Legislativo.


Estas políticas surgem no processo de reconstituição dos Estados Modernos, em meados do século XIX, sendo papel das assembleias constituintes proporem medidas de reparação social e retomada do crescimento econômico dos países. Usualmente iniciadas como propostas de governo, as políticas públicas passam a serem incluídas no Plano Plurianual (PPA), instrumento previsto no artigo 165 da Constituição Federal que define quais são as metas e objetivos que devem ser cumpridos pelos governos em seus quatro anos de mandato.


Para Leonardo Secchi, professor e pesquisador do curso de Administração e do Programa de Pós-Graduação em Administração da Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc), onde leciona a disciplina de Políticas Públicas, entender o conceito dessas políticas demanda considerar o que é um problema público. "É como se fosse a doença de um organismo, no caso, a sociedade, e ele [o problema público] pode ser por carência ou excesso. Muitos mosquitos Aedes aegypti são um problema público, falta de crédito à população é um problema público, até mesmo um engarrafamento em uma ponte é um problema público. Então, a política pública é o tratamento para essa doença que afeta a sociedade", explica Secchi.


Por isso que o analfabetismo é considerado um problema público, uma vez que afeta não só a escolarização, mas também a formação de profissionais capacitados no mercado de trabalho e de cidadãos em pleno conhecimento dos seus direitos e deveres. Entretanto, a história da educação como uma manifestação de garantia do Estado tem alguns anos a mais do que a compreensão e estudo das políticas públicas, um indício de que esse problema era evidenciado há séculos.


O registro da primeira política pública de direito à educação gratuita, laica e obrigatória é advinda de decorrências da Revolução Francesa, por volta de 1800, como uma forma de escolarizar e profissionalizar uma burguesia que gozava de direitos de nobres, mas que não provinha de uma linhagem que garantia a ela essa oportunidade ao nascer. Nesse período, a universalização da educação já foi vista como o primeiro passo para a construção de uma democracia forte e que se opunha ao antigo sistema monárquico de governo, em que ler e escrever era um privilégio para poucos.


A advogada Tié Lenzi, mestre em Ciências Jurídico-Políticas, explica que esse fato se dá pela particularidade que a educação tem em relação às outras áreas das políticas públicas. Para ela, a educação é a primeira carência que uma comunidade percebe em si, uma vez que sua não concretização impossibilita discutir na esfera pública qualquer outro problema que enfrentam. Nas políticas educacionais, a população não só reivindica como também participa da formulação dessas ações, levando em consideração o contexto e as limitações de suas localidades.


"Acredito que muitos já devem ter ouvido falar da existência de um Conselho de Educação na sua cidade. Esse órgão é uma herança desse tempo em que as políticas de educação iniciavam quase que exclusivamente da população. Então, acabou se tornando uma das primeiras formas mistas de legislar, já que os conselhos são formados por representantes do governo e por cidadãos", pontua Lenzi.


O Brasil veio a conhecer a ascensão das políticas públicas apenas no final do século XX, quando a situação de contenção de gastos públicos, mudanças de posicionamento para um ajuste fiscal e diversas outras medidas para controlar a inflação começaram a se estabilizar. Anteriormente, essas políticas eram vistas como entremeios para fins econômicos, visando um mercado de trabalho inflado e, dessa forma, baratear a mão de obra. É a partir da década de 1990, após a promulgação da Constituição Federal de 1988, que as políticas educacionais passaram a estar amparadas pelo direito à educação, previsto pelo artigo 205.


O professor Leonardo Secchi reflete que a interferência do Estado na educação passou a ser vista como uma redução de problemas a partir de diretrizes ativas, ou seja, que não apenas estavam sendo cumpridas no papel e a custo de uma população que reivindicava, mas porque era um direito. "A palavra política tem como sinônimo diretriz, então as políticas públicas são diretrizes públicas que partem do governo, e ativas porque significa que elas acontecem na prática".


Em outras palavras, as políticas educacionais só passaram a deslanchar no Brasil quando começaram a ser instrumentalizadas, unindo governo, mercado e população. "Até aquela época [pré-constituinte], não se tinha 'virado a chave' de que políticas públicas não são apenas leis. Leis são apenas uma das formas de fazer política pública. Fazer campanhas, prêmios, incentivos e até obras são exemplos de políticas ativas", complementa Secchi.


Retomando o princípio da educação como um direito, a Constituição Federal, assim como o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), em 1990, e regulamentos internacionais, formaram a compreensão da educação como Fundamento da Dignidade Humana no Direito Fundamental Social, duas importantes áreas da advocacia. A Constituição adotou esse direito como inerente a todo cidadão, independentemente de sexo, cor, renda ou região. Já o ECA institui que o direito à educação integral é a formação e desenvolvimento da criança e do adolescente para o cotidiano da sociedade.


A pedagoga e pesquisadora Ana Carolina Braga, mestre em educação escolar, apresenta no livro Brasil: um país de analfabetos? a trajetória da alfabetização e os desafios de superar o analfabetismo no país. A autora pondera que os avanços da educação brasileira são sempre medidos em dados, o que é importante, mas que mascaram a qualidade por trás da quantidade.


"A alfabetização vai muito além dos números. Fazendo um levantamento do que eu pesquisei, eu fiquei na dúvida: nessa época [década de 1990], realmente se lutava para acabar com o analfabetismo ou apenas se esperava que os analfabetos morressem e, assim, os números caírem?". Braga sugere que a mudança só viria a ocorrer quando a educação pública compreendeu a importância do processo de ler, escrever e interpretar o mundo.


A advogada Tié Lenzi destaca como marco na educação pública brasileira a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), que ocorreu em 1996 e surtiu efeito nas décadas seguintes. A LDB unificou as escolas de municípios, estados e federação em um único sistema, estabeleceu princípios de qualidade para o ensino e especificou os tipos de programas educacionais que devem ser oferecidos, como: educação básica, especial, à distância, profissionalizante e de jovens e adultos.


"É bom lembrar que essa foi uma conquista da participação popular. Os cidadãos podem e devem participar da formação das políticas públicas, professores, alunos, comunidade escolar e quem está fora dela. Todas essas medidas e decisões são tomadas pelo governo, e se a população escolhe não contribuir, é ela quem perde um ensino de qualidade", pontua Lenzi.


A história da educação institucionalizada no Brasil é longa e repleta de entrelinhas. Para ajudar ainda mais a entender como se deu esse processo, preparamos uma linha do tempo com alguns exemplos de políticas públicas de educação que existem no país. | Arte: Pedro Prado

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